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Sol Zona de convecção na fotosfera do Sol

Condição de Estabilidade do Equilíbrio Radiativo

Consideremos a seguinte perturbação: tomemos um pequeno elemento de volume no interior da estrela. Desloquemos este elemento de matéria para cima, por uma distância dr.

conv.gif
Deslocamento por Convecção.
Deixemos que o elemento se expanda adiabaticamente (sem perda de calor) até que a pressão dentro do elemento de volume seja igual à pressão do meio que o circunda. Soltemos este elemento para verificar se ele volta para baixo, até sua posição inicial, ou se ele continua a se mover para cima. Se ele retorna à posição inicial, a camada está em equilíbrio radiativo estável; a radiação é suficiente para manter o transporte de energia. Se ele continua a se mover para cima, o equilíbrio radiativo é instável, e movimentos de convecção persistem.

Em maior detalhe, usemos a nomenclatura da figura anterior: as quantidades do interior do elemento são designadas por asterístico, enquanto as quantidades do meio não perturbado não têm asterístico. O subscrito 1 se refere à posição original, enquanto o subscrito 2 se refere à posição mais alta para a qual o elemento foi elevado. Antes de começarmos a perturbação, o elemento em consideração tem as mesmas propriedades do meio que o cerca, de modo que:

$\rho^*_1 = \rho_1  e  P^*_1 = P_1$
Depois do deslocamento, a pressão está novamente em equilíbrio com o meio circundante, mas a densidade interna estará determinada pela expansão adiabática do elemento (dlnP = Γ1 dlnρ), pois estamos assumindo que a bolha não perde calor durante o deslocamento. Desta forma, temos:
$ P^*_2 = P_2 e \rho^*_2 = \rho_1(\frac{P^*_2}{P^*_1})^{\frac{1}{\gamma}}$
onde $ \gamma$ é o coeficiente de expansão adiabática, assumindo $ \gamma=\Gamma_1$,
$ \gamma = \frac{c_p}{c_v}$
igual à razão dos calores específicos a pressão constante e a volume constante, e tem valor de 5/3 para um gás altamente ionizado ou ideal.

A força de pressão exercida sobre o volume após seu deslocamento não foi alterada pela perturbação. A força gravitacional sobre o mesmo elemento, entretanto, foi alterada se a densidade dentro do elemento for diferente da densidade do meio. Especificamente, se a densidade interna for maior do que a do meio, a força gravitacional será maior, e o elemento sofrerá uma força resultante para baixo, voltando à sua posição inicial. Portanto, sob a condição:

$ \rho^*_2 > \rho_2 \longrightarrow
\rho_1(\frac{P^*_2}{P^*_1})^{\frac{1}{\gamma}} > \rho_2$
qualquer perturbação será imediatamente contrabalançada, e a camada será completamente estável.

Esta condição de estabilidade pode ser transformada em uma forma mais conveniente. As quantidades na posição mais alta (subscrito 2) podem ser expressas em termos das quantidades e suas derivadas na posição inicial (subscrito 1). Como:

$ \frac{\rho_2}{\rho_1} <(\frac{P^*_2}{P^*_1})^{\frac{1}{\gamma}}$
No limite de variações infinitesimais:
$ d \ln \rho > \frac{1}{\gamma}d \ln P$
Logo:
$ \frac{1}{\rho}\frac{d\rho}{dr} < \frac{1}{\gamma}\frac{1}{P}\frac{dP}{dr},$
ou
$ -\frac{1}{\rho}\frac{d\rho}{dr} > -\frac{1}{\gamma}\frac{1}{P}\frac{dP}{dr}$ (1.52)

Esta inequalidade é uma forma exata e geral da condição de equilíbrio contra movimentos convectivos em qualquer camada da estrela. Se o módulo do gradiente de densidade real for maior do que o módulo do gradiente de densidade adiabático, não ocorrem movimentos convectivos.

Para o caso de uma equação de estado de gás ideal (1.25), esta condição pode ser escrita, para o caso em que o peso molecular μ é constante, como:

$ P=\frac{k}{\mu}\rho T \longrightarrow d\ln P= d\ln (\frac{k}{\mu}\rho T) = \frac{k/\mu}{k\rho T/\mu}d(\rho T)=\frac{\rho dT + Td\rho}{\rho T}$
ou
$ \frac{dP}{P}-\frac{dT}{T}=\frac{d\rho}{\rho},$
de modo que a condição de estabilidade (1.52) para um gás ideal pode ser escrita como:
$ \boxed {-(1 - \frac{1}{\gamma})\frac{T}{P}\frac{dP}{dr}>-\frac{dT}{dr}.}$ (1.53)

Como o gradiente de pressão e o gradiente de temperatura são sempre negativos, os dois lados da equação contém quantidades positivas. O lado direito da equação contém o verdadeiro gradiente de temperatura na camada. O lado esquerdo é normalmente chamado de gradiente de temperatura adiabático, já que ele representa o gradiente de temperatura se a pressão e a temperatura seguissem uma relação adiabática. A condição (1.53) significa dizer que a camada será estável se o gradiente de temperatura real, em valor absoluto, for menor do que o gradiente de temperatura adiabático.

As condições de estabilidade (1.52) e (1.53) não podem ser aplicadas, sem considerações especiais, para camadas com composição química diferentes.

A condição (1.53) é chamada de condição de estabilidade de Schwarzschild, ou critério de Schwarzschild, desenvolvida por Karl Schwarzschild (1873-1916) em 1906. Note que esta condição não leva em conta a possibilidade de mudança de composição entre as duas camadas. Um critério semelhante, levando-se em conta a possibilidade de mudança do peso molecular $ \mu$ dentro da bolha em relação ao meio, e definindo:

d\ln P = \chi_\rho d\ln \rho + \chi_T d\ln T + \chi_\mu d\ln \mu
os coeficientes da equação de estado
chis
chama-se critério de Ledoux,
$ (\frac{d \ln T}{d\ln P}) < (\frac{d \ln T}{d\ln P})_{ad} -\frac{\chi_\mu}{\chi_T}\frac{d\ln \mu}{d\ln P}$ (1.54)

Ledoux proposto pelo belga Paul Ledoux (1914-1988). Neste caso, um peso molecular $ \mu$ que aumenta para dentro, como normalmente ocorre em estrelas evoluídas, tende a estabilizar a região contra convecção, pois neste caso $ \frac{d \ln \mu}{d \ln P}>0$.
Usando a nomenclatura dos deltas,
$\nabla\equiv \frac{d\ln T}{d\ln P} \quad\quad \nabla_{ad}\equiv \...
...c{d\ln T}{d\ln P})_S
\quad\quad \nabla_\mu \equiv \frac{d\ln \mu}{d\ln P}$
o critério de Schwarzschild para que haja convecção (1.53) pode ser escrito como:
$ \nabla - \nabla_{ad} > 0,$
e a relação (1.54), levando-se em conta a pressão de radiação,
$P = P_{total} = P_{g\acute{a}s} + P_R,$
e definindo
$ \beta=\frac{P_{gas}}{P_{total}},$
pode ser escrita como:
$ \nabla - \nabla_{ad} - \frac{\beta}{4-3\beta} \nabla_\mu > 0.$ ou ∇ - ∇Ledoux > 0
com
$ \nabla_{Ledoux} = \nabla_{ad} - \frac{\beta}{4-3\beta} \nabla_\mu
Como
$ \Gamma_1 \equiv (\frac{\partial \ln P}{\partial \ln \rho}\ri...
...\Gamma_3-1)\equiv (\frac{\partial \ln T}{\partial \ln \rho})_S$
$ \frac{\Gamma_2-1}{\Gamma_2}\equiv (\frac{\partial \ln T}{\partial \ln P})_S = \nabla_{ad} = \frac{\Gamma_3-1}{\Gamma_1}$
para um gás ideal
$\Gamma_1=\Gamma_2=\Gamma_3=\gamma\frac{5}{3} \quad e \quad \nabla_\mathrm{ad}=\frac{2}{5}=0,4$
Se assumirmos uma equação de gás ideal para o gás, e definirmos $ \gamma_g$ como o coeficiente para o gás, e a pressão total como a soma da pressão de radiação mais pressão do gás, o coeficiente $ \gamma$ da combinação pode ser escrito em termos da razão da pressão do gás para a pressão total, $ \beta\equiv P_g/P$:
$ \gamma = 1 + \frac{(4-3\beta)^2(\gamma_g-1)}{12\beta(1-\beta)(\gamma_g-1)\beta^2}.$
Richard B. Stothers & Chao-wen Chin, no artigo A Clue to the Extent of Convective Mixing Inside Massive Stars: The Surface Hydrogen Abundances of Luminous Blue Variables and Hydrogen-poor Wolf-Rayet Stars, (2000, Astrophysical Journal, 540, 1041), mostram que modelos calculados com o critério de Schwarzschild concordam com as observações, enquanto os calculados com o de Ledoux não concordam. O artigo de 2014 de Arlette Noels, Melanie Godart, Sébastien J.A.J. Salmon, M. Grabriel, J. Moltalban & Andrea Miglio, no Proceedings of the IAU Symposium 307, New windows on massive stars: asteroseismology, interferometry and spectropolarimetry, Georges Meynet, Cyril Georgy, José H. Groh & Philippe Stee, eds, mostra que a detecção de mais frequências de pulsações nas estrelas, e sua comparação com modelos asterosismológicos, ajudará a resolver o problema.
Ledoux
A linha tracejada longa mostra o perfil de hidrogênio (X) para um modelo de estrela com 16 massas solares na sequência principal, a linha cheia o gradiente radiativo, a linha tracejada curta o gradiente adiabático, enquanto a linha pontilhada mostra o gradiente de Ledoux. O núcleo convectivo deve ser calculado ∇rad=∇ad no lado convectivo da borda.

Ao se construir um modelo de estrela, a condição de estabilidade (1.53) precisa ser verificada em cada camada do modelo. Isto é, o gradiente de pressão precisa ser computado usando-se a condição de equilíbrio hidrostático (1.24), o gradiente de temperatura precisa ser calculado usando-se a equação do equilíbrio radiativo (1.51),

$L_r = -4\pi r^2 \frac{4ac}{3}\frac{T^3}{K\rho}\frac{dT}{dr} \longrightarrow \frac{dT}{dr} = -\frac{3}{4ac}\frac{K\rho}{T^3}\frac{L_r}{4\pi r^2}$
e seus valores inseridos na condição (1.53). Se esta condição é satisfeita, a camada é estável, e o equilíbrio radiativo se aplica. Mas e se a condição (1.53) não for satisfeita? Esta é a questão que precisamos agora considerar em detalhe. Este problema tem consequências significativas nos modelos estelares. Nos núcleos de estrelas, os fluxos de radiação são consideráveis, e altas opacidades muitas vezes ocorrem. De acordo com a condição de equilíbrio radiativo (1.51), estas duas circunstâncias levam a altos - e portanto instáveis - gradientes de temperatura.

Usando-se a equação de equilíbrio radiativo (1.51), e a equação do equilíbrio hidrostático (1.24), obtemos:

$ (\frac{d\ln T}{d \ln P}) = \frac{3}{16\pi acG}\frac{KP}{T^4}
\frac{L_r}{M_r}$
Como normalmente, embora não sempre, $ P/T^4$ é uma função que varia suavemente com a posição na estrela, o início da convecção no núcleo da estrela é determinado pelos valores da opacidade $ K$, e da razão $ L_r/M_r$. Um valor alto da opacidade implica em um valor alto do gradiente de temperatura, para que um dado valor do fluxo seja transportado pela radiação. No núcleo das estrelas, a opacidade geralmente decresce em direção ao centro; este efeito dificulta o início da convecção. A luminosidade $ L_r$ se mantém basicamente constante, enquanto que a massa aumenta com o raio. Desta forma, em direção ao centro, $ L_r/M_r$ aumenta o suficiente em estrelas com fontes de energia concentradas (estrelas mais massivas), e estas estrelas terão núcleo convectivo.

Nas camadas externas, $ L_r \simeq L$ e $ M_r \simeq M$, e o fator $ L_r/M_r$ não mais determina o início da convecção. Entretanto, o gradiente adiabático não é constante, pois é muito sensível ao estado de ionização dos constituintes dominantes, hidrogênio e hélio. Em uma região de ionização parcial, o gradiente adiabático torna-se muito pequeno, e uma zona de convecção se inicia. Portanto, todas as estrelas que não são quentes o suficiente para que o hidrogênio esteja completamente ionizado na fotosfera, têm zonas de convecção próximas à superfície.

AV
As duas zonas de convecção superficiais em uma estrela A4V com Tef=8 500 K e log g=4,13. Estas estrelas têm duas zonas de convecção, a superior, próximo a 8 000K, devido à zona de ionização parcial do H e primeira ionização do He e a inferior, próxima de 50 000 K, devido à segunda ionização do He. Albrecht Unsöld (1905-1995) publicou em 1930 no Zeitschrift für Astrophysik, 1, 138 (Konvektion in der Sonnenatmosphäre) a descoberta de que as zonas de ionização parcial têm importância fundamental na existência e extensão das zonas de convecção.
AV
Simulação bi-dimensional da convecção para uma estrela tipo A na seqüência principal, de Hans-Günther Ludwig e Matthias Steffen (1996, Astronomy & Astrophysics, 313, 497). No eixo y está mostrado o negativo da temperatura, em K, em relação à superfície. A temperatura cresce para dentro.


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Modificada em 8 set 2014