Determinação de Distâncias Astronômicas


Durante o século XVII várias medidas do comprimento de um grau foram obtidas, melhorando a determinação da circunferência da Terra e, portanto de seu raio. Em 1617 o astrônomo holandês Willebrord Snel van Royen (1580-1626), conhecido pela descoberta da lei de refração da luz em 1621, em seu livro Eratosthenes Batavus (O Holandês Eratosthenes), mediu a distância de duas cidades separadas por um grau de meridiano como 117,449 jardas (107,395 km). Em 1636 o navegador inglês Richard Norwood (1590-1675), e com melhor precisão ainda o astrônomo francês Jean-Félix Picard (1620-1682) em 1671, estimaram 110,46 km, em seu livro Mesure de la Terre. A distância é aproximadamente 111,32 km.

O método mais comum para se medir distâncias grandes, a pontos inacessíveis, é a triangulação [Tales de Mileto (c.624-546 a.C.)] - sabendo-se um dos lados de um sistema de triângulos e seus ângulos, podemos calcular todos os lados. Na figura abaixo está esquematizado, como exemplo, a maneira de medir a distância de uma árvore localizada do outro lado de um rio, sem atravessá-lo:

tree

Tomando a árvore como um dos vértices, construímos os triângulos semelhantes ABC e DEC. BC é a linha de base do triângulo grande, AB e AC são os lados, que são as direções do objeto (a árvore) vistas de cada extremidade da linha base. Logo

$\frac{AB}{BC} = \frac{DE}{EC}$

Como posso medir BC, DE e EC, posso calcular o lado AB e então, conhecer a distância da árvore.

Vemos que a direção da árvore, vista de B, é diferente da direção da árvore vista de C. Esse deslocamento aparente na direção do objeto observado devido à mudança de posição do observador chama-se paralaxe (do grego paralaxis, mudança). Este é o princípio da visão esteoroscópica do olho humano, que calcula a distância aos objetos pela diferença de ângulo vista pelos dois olhos. Quanto mais distante está o objeto, menor é a paralaxe. Um aparelho profissional de medir ângulos é o teodolito.

pangulo
Suponha que o ponto O seja o objeto cuja distância eu quero medir (a árvore do exemplo anterior). 2D é a linha de base do triângulo, e os ângulos tex2html_wrap_inline136 e tex2html_wrap_inline138 são os ângulos entre a direção do objeto visto de cada extremidade da linha base e a direção de um objeto muito mais distante, tomado como referência (pode ser uma montanha no horizonte, no exemplo anterior).

Pela trigonometria, sabemos que

\tan {p} = \frac{D}{d}
Como p é conhecido (tex2html_wrap_inline144), e D também é conhecido, podemos medir a distância d. Para ângulos pequenos, a tangente do ângulo é aproximadamente igual ao próprio ângulo medido em radianos [sen(x)→x (em radianos) e cos(x)→1]. Se p ≤ 4°, tan p ≈ p (em radianos).

Então, como a paralaxe das estrelas é menor do que 1 segundo de arco (1"=1°/3600):

d = \frac{D}{p(rad)}
Como p é medido em radianos, adimensional, d terá a mesma unidade de D.

Para um triângulo de base D, altura d, diagonal B,

triangulo
medimos o ângulo p entre B e d,
\tan p = a/h \arrow h = a/\tan p \simeq a/p(rad)
para ângulos p menores que 4 graus.

Transformação de graus em radianos

Em radianos, um ângulo é medido pelo arco que ele encerra, dividido pelo raio. Na figura abaixo, o arco de circunferência a corresponde ao ângulo α. Logo o valor de α em radianos é

\alpha(rad)=a/r
Arc

O valor, em graus, de 1 radiano, será:

1rad = \frac{360^{\circ}}{2\pi} = 57,29^{\circ}
\alpha(graus)=\alpha(radianos)\frac{180^o}{\pi}
Paralaxe geocêntrica e heliocêntrica
mparalaxe

O mesmo método de triangulação explicado acima é usado para medir a distâncias de objetos astronômicos. Mas como esses objetos estão muito distantes, é necessário escolher uma linha de base muito grande. Para medir a distância da Lua ou dos planetas mais próximos, por exemplo, pode-se usar o diâmetro da Terra como linha de base. Para se medir a distância de estrelas próximas, usa-se o diâmetro da órbita da Terra como linha de base.

Paralaxe
Paralaxe geocêntrica

Atualmente a determinação de distâncias de planetas próximos é feita por radar, e não mais por triangulação, mas antes da invenção do radar, os astrônomos mediam as distâncias da Lua e de alguns planetas usando o diâmetro da Terra como linha de base. A figura abaixo ilustra o problema para a determinação da distância da Lua.

lua Lua

PoA Paris
Se pudéssemos ver a Lua simultaneamente em 25 de abril de 2007, de Porto Alegre (esquerda) e de Paris (direita), a veríamos em posição diferente em relação às estrelas. Hiparcos (c.190-c.120 a.C.) já sabia que a paralaxe da Lua pode chegar a 1° (RTerra/distância Terra-Lua=6371 km/384 399 km=0,0166, e 0,0166 rad=57'), tendo calculado a distância mínima e máxima da Lua, e corrigia por isto seus cálculos dos eclipses.

A posição da Lua em relação às estrelas distantes é medida duas vezes, em posições distantes na Terra, e a paralaxe corresponde à metade da variação total na direção observada dos dois lados opostos da Terra. Essa paralaxe é chamada paralaxe geocêntrica, e é expressa por:


displaymath168
para p sendo a paralaxe geoccêntrica.

Paralaxe heliocêntrica

sol

A paralaxe heliocêntrica é usada para medir a distância das estrelas mais próximas. À medida que a Terra gira em torno do Sol, podemos medir a direção de uma estrela em relação às estrelas de fundo quando a Terra está de um lado do Sol, e tornamos a fazer a medida seis meses mais tarde, quando a Terra está do outro lado do Sol. A metade do desvio total na posição da estrela corresponde à paralaxe heliocêntrica, que é expressa por:


displaymath86
para p sendo a paralaxe heliocêntrica.

A unidade astronômica
Cayenne e Paris
Marte A primeira estimativa correta do valor da Unidade Astronômica ocorreu entre 5 de setembro e 1o de outubro de 1672, quando o planeta Marte, com magnitude=-2,3, estava muito próximo da estrela brilhante ψ2 Aquarii de magnitude=4, e próximo da oposição de Marte, portanto próximo do perigeu.

Com as observações simultâneas de Jean Richer (1630-1696) em Cayenne (5° N) na Guiana Francesa, Jean-Félix Picard (1620-1682) e pelo astrônomo dinamarquês Ole Christensen Rømer (1644-1710) em Paris, Giovanni Domenico Cassini (1625-1712) estimou a paralaxe de Marte como 15" entre Cayenne e Paris (7200 km de distância) e, considerando que Marte está a 1,52 UA do Sol, estimou o valor da UA como 140 milhões de km. O valor correto é de 149,597870691 milhões de km. Para comparação, o olho humano só consegue detectar ângulos maiores que cerca de 2'=2×60". A longitude de Cayenne não era conhecida com precisão, e os melhores relógios da época, pêndulos, não ficavam sincronziados durante as viagens marítimas, mas usando as luas de Júpiter, como proposto por Galileo, eles conseguiram sincronizar as observações.

A técnica mais precisa para determinar o comprimento da unidade astronômica é por radar. No entanto, a determinação não pode ser feita diretamente, pois se um sinal de rádio fosse emitido diretamente ao Sol, seu eco ficaria perdido no meio de todos os sinais de rádio que o Sol emite. Portanto se usa uma medida indireta. Por exemplo:
Suponha que um sinal de radar é enviado a Marte, quando este planeta está em oposição, sendo encontrado que sua distância à Terra é 78 389 294 Km. A distância média de Marte ao Sol é determinada pela terceira lei de Kepler como sendo de 1,52 UA. A distância entre Terra e Marte, para Marte em oposição, é portanto 0,52 UA. Então

displaymath170
A distância de qualquer objeto, com paralaxe helicêntrica p, calculada em unidades astronômicas, é dada por:

displaymath172

proximo
longe
Quanto mais distante o objeto, menor a paralaxe.

Determinação da velocidade da luz Júpiter

A determinação da velocidade da luz foi feita pela primeira vez em 1675, pelo astrônomo dinamarquês Olaus Rømer (1644-1710), medindo o intervalo entre sucessivos eclipses da lua Io, de Júpiter (P=1,769138d), para diferentes pontos da órbita da Terra.

jupiter


O intervalo de tempo entre os sucessivos eclipses é o período de revolução do satélite, que pode ser calculado pela 3a Lei de Kepler. Rømer verificou que os eclipses ficavam atrasados quando Júpiter estava mais distante da Terra, e adiantados quando Júpiter estava mais próximo da Terra. O atraso total quando a Terra ia de tex2html_wrap_inline60 para tex2html_wrap_inline62 era de 1000 segundos. Rømer atribuiu o efeito ao tempo que a luz levava para ir de um ponto da órbita da Terra ao outro, isto é, do tempo que a luz levava para atravessar a diferença da distância entre o satélite e a Terra.

Para ficar mais claro, vamos considerar que tex2html_wrap_inline64 é a hora em que ocorre o eclipse quando a Terra está na posição tex2html_wrap_inline60. Como a luz tem velocidade finita, o eclipse só será visto na Terra num tempo posterior, dado por:
displaymath52
onde c é a velocidade da luz, e tex2html_wrap_inline70 é a distância entre a Terra e Júpiter na posição tex2html_wrap_inline60.

Após um tempo tex2html_wrap_inline74, a Terra estará na posição tex2html_wrap_inline62, e vamos chamar de tex2html_wrap_inline78 a hora prevista para acontecer o eclipse. Mas na Terra, o eclipse só será observado em:
displaymath53

Logo, o intervalo de tempo observado entre os eclipses, tex2html_wrap_inline80, é maior do que o intervalo de tempo real entre os eclipses, tex2html_wrap_inline82. A diferença vai ser:
displaymath54

Se esta diferença é de 1000 s, então:
displaymath55

Como a melhor estimativa para o eixo maior da órbita da Terra era 241 500 000 Km, Rømer deduziu a velocidade da luz como sendo


displaymath88

A distância da Terra ao Sol foi medida em 1672, medindo-se a paralaxe de Marte em oposição, e sabendo-se que a distância a Marte é de 1,52 UA, como derivado por Copérnico. Hoje sabemos que o eixo maior da órbita da Terra é 2UA=299 795 786 Km, então a velocidade da luz é:

c=\frac{299795786  km}{1000 s} = 299795,796 km/s \simeq 300000 km/s
Se um avião pudesse viajar à velocidade da luz, ele daria 7 voltas completas em torno do equador da Terra em 1 segundo.

O ano-luz

O ano-luz (AL) é a distância percorrida pela luz em um ano. Essa distância equivale a:

$1 AL =$velocidade da luz$\times 1 ano = 2,9979 \times 10^5 km/s \times 3,1557 \times 10^7 s$

$1 AL=9,46 \times 10^{12} km$
>
Parsec (PARalaxe 1 SECond)

1 Parsec é a distância de um objeto tal que, um observador nesse objeto veria o raio da órbita da Terra com um tamanho angular de 1′′, ou em outras palavras, é a distância de um objeto que apresenta paralaxe heliocêntrica de 1′′.

Como a distância em unidades astronômicas, corresponde a


displaymath172

e um ângulo de tex2html_wrap_inline186, expresso em radianos, vale


displaymath91

Logo:

pc

Embora proposta na antiguidade, a primeira medida exitosa de uma paralaxe estelar foi feita pelo matemático e astrônomo alemão Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846) em 1838, para a estrela binária visual 61 Cygni (AR=21h 06m 53.95s DEC=+38° 44′ 57.9′′, m=5,2), estimando p=0,31±0,1", correspondendo a uma distância de 600 mil UA = 10,4 anos-luz. O valor atual é 0,287±0,002". Ele escolheu esta estrela para observar porque notou que ela tinha um alto movimento próprio, de 5" por ano [Bessel, F. W. (1838). "On the parallax of 61 Cygni". Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 4: 152-161]. Apenas 35 estrelas conhecidas têm movimento próprio acima de 3" por ano. Edmond Haley (1656-1742) descobriu o movimento próprio das estrelas em 1718, comparando suas medidas da posição das estrelas com aquelas catalogadas por Ptolomeu, no Almagesto, já que a posição de Sírius havia mudado 30 minutos de arco no passar de 1800 anos. 30 minutos de arco é o diâmetro angular do Sol e da Lua. Em 1698, Christiaan Huygens (1629-1695) havia erroneamente estimado a distância de Sírius como 27 664 vezes a distância da Terra ao Sol, em seu livro Cosmotheoros, assumindo que o brilho de todas as estrelas deveria ser o mesmo. Gian Domenico Cassini (1625-1712), o astrônomo real inglês Nevil Maskelyne (1732-1811), Giuseppe Piazzi (1746-1826), o descobridor de Ceres, e o próprio Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846) haviam tentado medir a paralaxe de Sírius, sem sucesso.

Barnard Movimento da estrela de Barbard

A estrela de Barnard, uma anã vermelha invisível a olho nu (m=9,54) na constelação de Ofiúco, descoberta em 1916 por Edward Emerson Barnard (1857-1923), com um centésimo da luminosidade intrínseca do Sol, é a estrela com maior movimento próprio conhecida, 10 segundos de arco por ano. A animação foi produzida por Steve Quirk. A figura mostra o movimento próprio (traço contínuo) e a paralaxe (oscilação em torno da reta) da estrela de Barnard (Astronomia de Posição, de Gastão Bierrenbach Lima Neto, do IAG/USP).
Em 1840 o astronomo escocês Thomas James Alan Henderson (1798-1844) publicou sua medida da paralaxe de α Centauri, como um pouco maior do que 1", mas na verdade é 0,76" [Henderson, Thomas (1840). On the Parallax of Alpha Centauri. Memoirs of the Royal Astronomical Society, 11: 61-68]. O astronomo alemão Friedrich Georg Wilhelm von Struve (1793-1864) publicou a seguir a paralaxe de Vega (α Lyrae, a quinta estrela mais brilhante do céu e a segunda do hemisfério norte, depois de Arcturus), como 0,2613" (0,129" valor atual). A distância de um objeto, expressa em parsecs, é dada por:
parsec
Um parsec, portanto, é igual a 206 265 UA=3,26 anos-luz=3,086 × 1013 km.

paralaxe

Resumindo as três unidades, para uma estrela com paralaxe heliocêntrica qualquer, sua distância será:

d(UA)=\frac{1}{p(radianos)}
parsec
d (anos-luz) = \frac{3,26}{p (^{\prime\prime})}

A estrela mais próxima da Terra, Próxima Centauri, está a uma distância de 4,3 AL, que é maior do que 1 pc (1,32 pc). Logo mesmo para a estrela mais próxima a paralaxe é menor do que 1′′ [na verdade é 0,7687±0,0003′′ (G. Fritz Benedict et al. 1999, Astronomical Journal, 118, 1086), usando o Telescópio Espacial Hubble].

Hipparco Até poucos anos, com os telescópios disponíveis na Terra, a maior distância de estrelas que se podia medir com precisão melhor do que 10% era 20 pc, que corresponde a paralaxes ≤ 0,05′′ O uso de CCD e telescópios dedicados reduziu a incerteza das observações na Terra para até 1 mili-segundo de arco, similar à incerteza das medidas do satélite HIPPARCOS (High-Precision Parallax Collecting Satellite), construído para medir com alta precisão a posição e a paralaxe de 120 000 estrelas. Ele foi lançado em agosto de 1989 e operou com sucesso por 3 anos, apesar de não ter alcançado a órbita geoestacionária pretendida. É importante notar que 1 mili-segundo de arco é equivalente ao tamanho angular de uma pessoa na superfície da Lua vista da Terra. Para atingir esta precisão, foi necessário corrigir pelo efeito de desvio da luz pelo Sol previsto pela relatividade geral, e que é de 1,7 segundos de arco na borda do Sol, e 4 mili-segundos de arco a 90° do Sol. Mesmo com esta precisão só é possível medir paralaxes de objetos a 1600 anos-luz de distância, cerca de 1 centésimo do tamanho da nossa Galáxia. Em 2013 a Agência Espacial Européia lançou o satélite Gaia, para medir a posição de estrelas com precisão de 24 microsegundos de arco, tamanho de uma moeda de um real na Lua, vista da Terra. Em 14 de setembro de 2016 começaram a sair os primeiros resultados da missão, com a paralaxe de 2 milhões de estrelas, e em 13 de junho de 2022 o Data Release 3 publicou a paralaxe de 1,6 bilhão de estrelas até magnitude 21.

Exemplo:

Estrela  ParalaxeDistância
Próxima Centauri  0,772"1,295 pc 4,223 a.l.
Sírius  0,379"2,638 pc 8,606 a.l.
Procyon  0,286"3,496 pc11,404 a.l.

paralaxe
Qual estrela tem maior paralaxe? Qual sua distância em parsecs?
Simulação de Paralaxe Estelar

proxima Estrelas Binárias
proxima Fotometria
Volta Astronomia e Astrofísica

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Modificada em 26 set 2018