Rádio Telescópio

Em 1899, o engenheiro elétrico italiano Guglielmo Marchese Marconi (1874-1937) desenvolveu um sistema de transmissão de ondas pelo ar para longas distâncias, o rádio, e fez uma transmissão sobre o Canal da Mancha, que separa a França da Inglaterra, e em 1901 uma transmissão que atravessou o Atlântico, enviando sinais de código Morse. Somente em 1906 ele conseguiu transmitir a voz humana. O padre gaúcho Roberto Landell de Moura fez a primeira transmissão de voz em 1899, usando equipamentos que ele patenteou no Brasil em 1901, e nos Estados Unidos em 1904. Durante a Primeira Guerra Mundial, o desenvolvimento das transmissões de rádio se acentuou, para permitir a comunicação entre diferentes unidades de um exército e, posteriormente, entre um avião e a base, e entre dois aviões.

Jansky Em 1932, o americano Karl Guthe Jansky (1905-1950), dos Laboratórios Bell, realizou as primeiras observações de emissão de rádio do cosmos, quando estudava as perturbações causadas pelas tempestades nas ondas de rádio utilizadas nas transmissões telefônicas transoceânias. Ele estava observando à freqüência de 20,5 MHz (λ = 14,6 m) e descobriu uma emissão de origem desconhecida que variava com um período de 24 horas. Somente mais tarde demonstrou-se que a fonte desta radiação estava no centro da Via Láctea.

Telescopio de Reber No fim dos anos 1930, o engenheiro e rádio operador amador Grote Reber (1911-2002) iniciou observações sistemáticas com uma antena parabolóide de 9,5 m que ele havia construído (imagem à esquerda). No infravermelho as partículas de poeira têm seu máximo de emissão, e no rádio tanto a poeira quanto as moléculas são brilhantes, complementando informações obtidas no ótico.

Galaxia em radio
Composição da imagem ótica, em branco, com a imagem em rádio, em azul, da galáxia Redemoinho, Messier 51, mostrando como o hidrogênio neutro se extende em uma região muito maior do que aquela ocupada pelas estrelas (NRAO/AUI, J. Uson).
janelas
Transmissão da Atmosfera da Terra

Embora a atmosfera seja praticamente transparente na faixa visível (3500 Å a 6500 Å), ela absorve fortemente no ultravioleta (1000 Å a 3500 Å) e em várias bandas do infra-vermelho (1 μm a 1 mm), de modo que não podemos medir ultravioleta do solo, e infra-vermelho somente acima de 2000 m de altura.

A janela rádio se estende entre aproximadamente 8 mm e 15 m, embora haja redução por vapor de água e moléculas de oxigênio (O2) para comprimentos de onda acima de 300 μm. O corte em comprimentos de ondas maiores se dá por reflexão crítica na ionosfera, uma camada da atmosfera acima de 100 km, onde há alta densidade de elétrons livres e íons. As ondas de rádio não podem penetrar neste plasma por que suas baixas freqüências estão abaixo da freqüência de plasma natural da ionosfera. Esta reflexão é entretanto usada para comunicação, refletindo as ondas de rádio na ionosfera. A atividade solar altera o nível de ionização da alta atmosfera, modificando as freqüências de reflexão.

No rádio, a cintilação causada pelo meio interestelar e interplanetário afeta as observações de alta resolução temporal, e observações planejadas por Antony Hewish (1924-) em 1968 para estudar as propriedades do meio interestelar levaram a descoberta acidental dos pulsares.

Bell e o interferometro pulsar Os pulsares foram descobertos em rádio antes de serem descobertos no ótico [Observation of a Rapidly Pulsating Radio Source, Antony Hewish (1924-), Susan Jocelyn Bell (1943-), John D. H. Pilkington, Paul F. Scott, & R. A. Collins, Nature, 217, 709 (1968)]. John D. H. Pilkington, Paul F. Scott, & R. A. Collins observaram o objeto detectado por Jocelyn Bell com um outro rádio telescópio para eliminar a possibilidade de ser causado por um problema instrumental. Em poucos meses ela detectou outros dois pulsares. Para determinar a distância, ela usou o atraso introduzido pelos elétrons do meio interestelar no pulso recebido em diferentes freqüências, que é proporcional a densidade de coluna de elétrons. O interferômetro ocupava uma área de 2 hectares e foi instalado pessoalmente por Jocelyn Bell. O custo do interferômetro foi de 10 mil libras. Os dados eram registrados em um gráfico em papel e, após detectar o primeiro sinal, ela mudou a velocidade do papel, para poder estudar o pulso, mas com esta velocidade o papel durava somente 20 minutos. O equipamento tinha uma constante de tempo menor do que qualquer outro usado anteriormente e por isto pode observar os pulsos curtos. Se o equipamento fosse computadorizado, provavelmente os pulsares não teriam sido descobertos naquela época.
As primeiras moléculas interestelares foram descobertas em 1937 [Pol Swings (1906-1983) & Léon Rosenfeld, 1937, Astrophysical Journal, 86, 483], na forma de metilidina CH, CH+, e cianogênio CN. Hidrogênio molecular H2 foi descoberto no início dos anos 1970, junto com monóxido de carbono CO (2,6 mm, ou 115 gigahertz). Como o H2 não emite ondas de rádio, o CO é usado para mapeá-lo. Muitos outros tipos de moléculas têm sido encontradas desde então, desde amônia NH3, até as mais complexas como benzeno C6H6, acetona (CH3)2CO, etil cianido CH3CH2CN e mesmo com 13 átomos HC11N cianodecapentano e C70 70-fulereno (Jan Cami, Jeronimo Bernard-Salas, Els Peeters, Sarah Elizabeth Malek, 2010, Detection of C60 and C70 in a Young Planetary Nebula, Science, 329, 1180). Mais de cento e setenta moléculas distintas já foram identificadas no meio interestelar utilizando-se radiotelescópios e espectrômetros sensíveis, incluindo vapor de água, formaldeído, amônia, metanol, etanol e dióxido de carbono, além de hidrogênio neutro em 21 cm (1421,405 MHz) e do CO em 6 cm. Por exemplo, Serena Viti e colaboradores detectam Glicolaldeído, o mais simples açucar monosacarido, que pode reagir com propenal para formar ribose, um constituinte central do ácido ribonucleico (RNA), em um nuvem que está formando estrelas.

Para objetos extremamente distantes (z»1), o desvio Doppler (avermelhamento) pode levar as emissões óticas para a região infravermelha e rádio. O limite do Universo observável, quando o Universo tornou-se transparente (z=1000, T=3000 K) pela primeira combinação de prótons e elétrons em átomos neutros (época da recombinação), é observável através da radiação de fundo do Universo, ou Cosmic Microwave Background.

No artigo na Nature (555, 67) de 1 de março de 2018, An absorption profile centred at 78 megahertz in the sky-averaged spectrum Judd D. Bowman, Alan E. E. Rogers, Raul A. Monsalve, Thomas J. Mozdzen & Nivedita Mahesh, detectaram absorções de HI (21 cm) que indicam que as primeiras estrelas reionizaram o Universo, através da emissão de radiação ultravioleta, 180 milhões de anos depois do Big-Bang. As observações da polarização da radiação de fundo do Universo detectada pelo satélite Planck indicam que isto ocorreu só em zreionização=8,8±1,2 → idade 547±87 milhões de anos, compatível com a formação das primeiras galáxias. A reionização e recombinação induz o alinhamento do elétron do hidrogênio a se alinhar paralelamente ou antiparalelamente ao spin do próton, fazendo o hidrogênio emitir ou absorver radiação de 21 cm (1420 MHz), desacoplando da radiação de fundo. As medidas foram feitas com uma antena de rádio do tamanho de uma mesa, localizada na Austrália, do experimento EDGES (Experiment to Detect Global Epoch of Reionization Signature), sintonizada de 50 a 100 MHz. Devido à expansão do Universo, a radiação foi detectada em (78±1) MHz. As primeiras observações, iniciadas em 2015, infrutíferas, foram de 100 a 200 MHz, região predita pelo Planck. Como as fontes de ruído chegam a milhares de vezes o sinal (5000 K em 50 MHz, 1000 K em 100 MHz), a detecção é um avanço tecnológico impressionante (r.m.s.=0,087 K). A absorção detectada é mais forte por uma fator de dois do que as previsões, com uma amplitude de 0,5+0,5-0,2 K, indicando que o gás está mais frio do que o modelo, o que poderia ser explicado se houve interação entre a matéria escura e o gás, esfriando o gás.

Sol O Sol e os planetas também são estudados com ondas de rádio. De fato as manchas solares e os flares são fortes emissores de rádio, como se pode ver nesta imagem do Sol em rádio.

Ondas eletromagnéticas
Hoje em dia a rádio-astronomia se estende desde freqüências de poucos megahertz (λ=100 m) até 950 MHz (λ=0,3 mm).
A interferometria de rádios telescópios, em que o sinal é enviado por fibra ótica a um computador que processa e combina a informação de todas as antenas, produz uma imagem de altíssima resolução. Em 1967, nove pesquisadores canadenses liderados pelo astrônomo nascido na China Jui Lin (Allen) Yen (1925-1993), da University of Toronto, usaram o rádio telescópio de 46-metros do Algonquin Radio Observatory, am Ontário, e o rádio telescópio de 26-metros do Dominion Radio Astrophysical Observatory, na Columbia Britânica, simultaneamente, equivalente a um telescópio de 3074 quilometros de diâmetro (a distância entre os dois observatórios), conduzindo a primeira experiência de interferometria de longa distância.

O Very Large Array (VLA), no Novo México (EUA), é um conjunto de 27 antenas de 25 m de diâmetro, que podem se distribuir por uma extensão de até 36 km, com receptores de 7 mm a 4 m. Pode alcançar resolução de 0,05 segundos de arco.

Os rádios telescópios podem também estar localizados em continentes distintos (VLBI = Very Long Baseline Interferometry), conseguindo resolução melhores que mili-segundos de arco e, observando quasares distantes, formam o sistema de referência mais preciso conhecido (Sistema de Referência Internacional Celestial (ICRF), com uma precisão média de 0,02 mili-segundos de arco. Os sinais são registrados com relação a uma base de tempo muito precisa e podem ser analisados mais tarde, quando se calculam as franjas de interferência.

Alma
O ALMA (Atacama Large Millimeter Array), que está em operação a 5000 m de altura no local mais seco da Terra, com 66 antenas, observa entre 0,3 e 9,6 milímetros. Seu campo é de 21 segundos de arco e sua resolução chega a 6 mas em 675 GHz e 37 mas em 110 GHz. A água na atmosfera dispersa as ondas milimétricas, degradando as observações. As galáxias com z>1,5 têm o máximo da emissão nas regiões submilimétricas do espectro. O vento solar e todas as regiões obscurecidas por poeira, como as reigões de formação estelar, são melhor observadas em comprimentos submilimétricos. As primeiras observaçõoes, com 16 antenas, começaram em outubro/2011. discoSimon Casassus, da Universidad de Chile e colaboradores, publicaram na Nature em janeiro de 2013 as primeiras observações mostrando túneis de acresção de massa em um disco de formação estelar.

Em março de 2013 Joaquin Vieira, do CALTECH, e colaboradores, publicaram na Nature a medida de linhas de CO, comprovando formação estelar no Universo com cerca de 2 bilhões de anos, em um conjunto de galáxias distantes intensificadas por lentes gravitacionais. A inauguração ocorreu em 13 de março de 2013, com mais de 50 antenas em operação e todas as 66 montadas. As observações com o ALMA da Grande Nuvem de Magalhães publicadas por Marta Sewilo e colaboradores em jan/2018 encontraram metanol, dimetil éter (C2H6O), e formiato de metila (HCOOCH3), mesmo nesta galáxia de baixíssima metalicidade. As observações com o ALMA identificaram duas galáxias gigantes quando o Universo tinha 780 milhões de anos, dentro de uma nuvem de matéria escura com muitos trilhões de massas solares.

A detecção de ondas de rádio é fundamentalmente diferente da detecção de fótons óticos porque explora o caráter ondulatório da luz. A radiação excita um campo alternado no detector, que é detectado eletronicamente como uma voltagem de corrente alternada. Esta voltagem é descrita por uma onda, com amplitude e fase:

V(t)=Vo sen(wt+φ)
onde Vo é a amplitude e φ a fase. A fase permite que ondas de diferentes detectores possam ser somadas, produzindo interferometria.

A antena do rádio telescópio seleciona a direção a ser observada, coleta a radiação e transforma em um sinal de corrente alternada. O receptor seleciona a freqüência e a largura da banda, processa o sinal e grava os dados. O receptor pode ter muitos canais, um para cada freqüência.

As medidas de fluxo de rádio são geralmente descritas em

1 Jansky (Jy) = 10-26 W m-2 Hz-1
Grandes flares solares podem alcançar 108 a 109 Jy, e as outras fontes mais fortes podem alcançar 104 Jy, mas a maioria das fontes são mais fracas que poucos Jy. Os rádio telescópios modernos podem detectar um milésimo de Jansky (mJy), mas para isto o ruído térmico provocado por movimentos térmicos nos circuitos eletrônicos dos receptores têm que ser minimizados. Este ruído pode ser expresso em termos da potência de um resistor a uma certa temperatura. Um teorema de Harry Nyquist (1889-1976) dá a potência térmica por unidade de freqüência de um resistor a temperatura Tr como
pr=k Tr
onde k é a constante de Boltzmann. À temperatura ambiente, Tr=300 K, pr=4×105 Jy, de modo que reduzir a temperatura do ruído, Tr, é extremamente necessário, e determiná-la com precisão muito importante. O sinal astronômico precisa ser amplificado antes de ser medido e um dos amplificadores de menor ruído é um maser, em que uma onda incidente é amplificada estimulando uma transição para baixo de uma transição eletrônica a partir de um nível de energia mais alto - seguindo a dedução teórica de Einstein em 1916 de que a emissão pode ser estimulada por uma onda de mesma freqüência - por exemplo, um cristal de rubi. O nível de energia mais baixo é mantido despopulado usando-se uma fonte de energia externa, a uma freqüência mais alta do que aquela a ser amplificada, para bombear os elétrons para o nível mais alto. À baixa temperaturas, existem poucas transições excitadas termicamente, de modo que o sistema é quase sem ruído. Mesmo operando os amplificadores a temperaturas de hélio líquido (4 K), as temperaturas de ruído permanecem entre Tr=10-100 K.

Como o ruído é sempre importante, normalmente se expressa a potência do sinal astronômico também em termos de temperatura, usando a temperatura da antena, definida como

pA=k TA
que nos diz que TA é a temperatura para qual um resistor conectado à antena daria aquela potência medida. A TA não tem qualquer relação com a temperatura da fonte.

Além da importantíssima linha de 21 cm da transição hiperfina do hidrogênio neutro, a linha rotacional de 2,6 mm do CO pode ser detectada na Via Láctea e em outras galáxias. Acredita-se que a colisão do CO com moléculas de H, que não tem linhas de emissão fortes, é que excita o CO para o nível superior de 2,6 mm, já que nenhuma outra espécie tem abundância suficiente para prover colisões suficientes. Deste modo, a emissão do CO é considerada um traçador da distribuição de H2. As medidas em microondas mais importantes são naturalmente da Radiação de Fundo do Universo, cujas flutuações mostram as sementes para a formação das galáxias.

A antena de um rádio telescópio é sensível à polarização. Se a antena for um dipolo, uma barra de metal com meio comprimento de onda, com um cabo conectado ao meio da barra, ela define uma direção no espaço, e responde somente àquela polarização.

ROI
Antena submilimétrica de 13,7 m de diâmetro do Rádio Observatório de Itapetinga, do INPE/CRAAM, instalada em 1974. Os receptores do ROI operam nas freqüências 22 (14 mm), 30, 43, 48 e 90 GHz (3,3 mm) no modo contínuo de banda larga. Um espectrômetro acústo-óptico de alta resolução espectral (20, 40 e 70 KHz) está em operação nas frequências de 22 e 44 GHz para observações de raias espectrais. Os mais novos receptores são um radiômetro criogênico para pesquisar emissões moleculares na faixa de 21,7 GHz a 24,1 GHz, e um receptor refrigerado a Hélio liquido para a banda de 40-50 GHz, chegando a uma Tr=4 K em 1,5  GHz. No ROI foi descoberta a primeira emissão maser, de H2O, numa estrela simbiótica (R Aqr).
Roen
Rádio Observatório Espacial do Nordeste, em Eusébio, Ceará, com 14,2 m de diâmetro, iniciou operações em 1993 e foi consertado em 2011. Ele participa das observações de VLBI do sistema de referência dos quasares.
BDA
O Arranjo interferométrico brasileiro (Brazilian Decimetric Array), do INPE, com 38 antenas de 5 metros de diâmetro dispostas em forma "T", com uma base de 2,27×1,17 km, operara em Cachoeira Paulista nas faixas protegidas de freqüência 1,2-1,7 GHz, 2,7 e 5,0 GHz. A sensibilidade estimada é de 3 mJy a 21 cm para uma temperatura de sistema de 50K. Ele está sendo construído principalmente para observações solares, e com resolução de 4,6 segundos de arco.
SST
O Telescópio Submilimétrico Solar (Solar Submilimeter Telescope), com 1,5 m de diâmetro, instalado pelo Centro de Radioastronomia e Aplicações Espaciais (Craae) em El Leoncito, San Juan, Argentina, a uma altitude de 2550 meters, opera em 212 GHz e 405 GHz.
GEM
O Mapeador de Emissão Galática (GEM) do INPE, com 5,5 m de diâmetro, opera nas freqüências 0,408, 1,465, 2,3, 5 e 10 GHz, em Cachoeira Paulista. Faz um mapa da Via Láctea, necessário para corrigir as observações da Radiação de Fundo do Universo.


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Modificada em 21 mar 2018