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Cristalização

Desde o início dos anos 1960, Aleksei Alexeevich Abrikosov (1928-2017) (1960, Zhurnal Eksperimentalnoi i Teoreticheskoi Fiziki, 39, 1798) ganhador do Nobel 2003 por supercondução, e David Abramovich Kirzhnits (1926-1998) (1960, Soviet Physics - Journal of Experimental and Theoretical Physics, 11, 365), na Rússia, e Edwin Ernest Salpeter (1925-2008) (1961, Astrophysical Journal, 134, 669) nos Estados Unidos, reconheceram independentemente que as interações Coulombianas, nas temperaturas relativamente baixas características das anãs brancas frias, forçam os íons a formar um sólido cristalino. A cristalização altera drasticamente o esfriamento das anãs brancas, devido à liberação do calor latente de cristalização e à mudança na capacidade térmica após a cristalização [Hugh M. Van Horn (1938-), 1968, Astrophysical Journal, 151, 227].

O parâmetro principal para a cristalização é $ \Gamma$, a razão entre a energia da interação de Coulomb e a energia térmica:

$ \Gamma = {(Ze)^2/{\langle} r {\rangle} \over kT} = 2,28 {Z^2 \over A^{1/3}}
{(\rho / 10^6 {\rm\,g\, cm^{-3}})^{1/3} \over T/10^7 {\rm K}},$
já que $ {4 \over 3} \pi {\langle} r {\rangle}^3 = {\rho \over AH}$, onde $ {\langle} r {\rangle}$ é o raio médio da esfera contendo um só íon, e H é a unidade de massa atômica.

Quando Γ é pequeno, as interações Coulombianas são pequenas e os íons formam um gás ideal, não interagente. Quando Γ≅1, os íons sofrem interações de curto alcance e se comportam com um fluido. Nos modelos numéricos de Stephen George Brush (1935-), Harry L. Sahlin (1935-1979) e Edward Teller (1908-2003), publicados em 1966 no Journal of Chemical Physics, 45, 2102, a transição líquido-sólido ocorria para Γ≅126. De acordo com os cálculos de 1978 de Carl John Hansen (1933-2011), e de 1987 de Shuji Ogata e Setsuo Ichimaru, e outros, o início da cristalização do carbono ocorre quando $ \Gamma \equiv \Gamma_m \simeq 180 \pm 1$. Nos modelos evolucionários de Matthew Allan Wood (1961-), que podem ser obtidos de http://faculty.tamuc.edu/mwood/wd.html, com Γ=180, o início da cristalização para uma anã branca de 0,6 $ M_\odot$ ocorre para Tef=6000 K se o núcleo for de C ($ t_{esfriar} \simeq 2$ Gano, $ L\simeq 10^{-3,8}L_{\odot}$), e para Tef=7200 K se o núcleo for de O. Os núcleos estarão a temperaturas de $ 3\times 10^6$ K (carbono) e $ 5\times 10^6$ K (oxigênio). Em 1991, Kepler de Souza Oliveira Filho (1956-) e seus colaboradores Antonio Nemer Kanaan Neto (1966-), Odilon Giovannini Jr. (1966-) e Marcos Perez Diaz (1964-) descobriram a anã branca variável BPM 37093 = LTT 4816, com massa de $ M_\star = (1,05 \pm 0,05)~M_\odot$ e $ T_{ef}=12500~{K}$, e em 1998 demonstraram com os colaboradores do Whole Earth Telescope que ela está pelo menos 50% cristalizada. Em 2005, Antonio Kanaan et al., "Whole Earth Telescope observations of BPM 37093: A seismological test of crystallization theory in white dwarfs", Astronomy & Astrophysics, 432, 219, demonstraram que ela deve estar 90% cristalizada. Em 2013, James Joseph Hermes, S. O. Kepler, Barbara Garcia Castanheira, Alex Gianninas, Don Earl Winget, Michael Houston Montgomery, Warren R. Brown & Samuel T. Harrold, no artigo Discovery of an Ultramassive Pulsating White Dwarf, publicado no Astrophysical Journal Letters, 771, L2, relatam a descoberta de uma anã branca pulsante com 1,20±0,03 MSol e Tef=12030±210 K, que portanto deve estar ainda mais cristalizada do que a BPM 37093.

Em 2010, Charles J. Horowitz, Andre S. Schneider & Don K Berry publicaram no Physical Review Letters, 104, 1101 um estudo do diagrama de fase da cristalização de mistura de carbono e oxigênio, demonstrando que a cristalização da mistura ocorre em temperatura cerca de 1,23× mais baixa do que carbono puro, já que as impurezas dificultam a cristalização, levando a Γ=ECoulomb/Etérmica≅ 220. Os mesmos resultados foram encontrados por Zach Medin & Andrew Cummingem 2010, Physical Review E, 81, 036107. Alejandra Daniela Romero, S.O. Kepler, Alejandro Hugo Córsico, Leandro Gabriel Althaus & Luciano Fraga, no artigo de 2013, Asteroseismological Study of Massive ZZ Ceti Stars with Fully Evolutionary Models, publicado no Astrophysical Journal, 779, 58, demonstraram que os dados sismológicos são consistentes com Γ=220, consistentes com a mistura de carbono e oxigênio no núcleo predita pelos modelos.

A cristalização da estrela, além de alterar o calor específico dos íons, pode levar à separação de fase, isto é, à deposição do oxigênio para o centro, formando cristais separados de carbono e oxigênio, dependendo de como for a transição de fase: tipo spindle, azeotrópica ou eutética. Como a cristalização nas condições de pressão e temperatura do interior das anãs brancas não pode ser testada em laboratório, é preciso calculá-la. Mas os efeitos quânticos são importantes. Gilles Chabrier, Neil W. Ashcroft e Hugh W. DeWitt (1992), Nature, 360, 48, calcularam a energia de interação entre os íons e demonstraram que E0/kT >2 após a transição de fase, isto é, os cristais no interior das anãs brancas são cristais quânticos.

lvh
Curvas de cristalização para 4He, 12C, 16O, 24Mg e 56Fe publicados por Donald Quincy Lamb (1945-) & Hugh M. van Horn (1938-), no (1975) Astrophysical Journal, 200, 306. A curva pontilhada corresponde a divisória entre pressão de um líquido quântico (abaixo da curva) e de um gás ideal (acima da curva), isto é, os efeitos quânticos iônicos são importantes à direita da linha pontilhada. Quando a temperatura efetiva atinge esta curva, por esfriamento, ocorre uma pequena descontinuidade na capacidade térmica dos íons, devido à transição de fase.
fases
Diagrama da Transição de Fase calculado por Laurent Segretain, Gilles Chabrier, Margareta Hernanz, Enrique García-Berro, Jordi Isern, e Robert Mochkovitch (1994) Astrophysical Journal, 434, 641.
A forma do diagrama determina se durante a cristalização ocorre ou não separação entre os elementos: Portanto a cristalização, nestes modelos, deixa uma região sólida enriquecida em oxigênio, em comparação com a mistura original de C/O. A razão exata depende da composição inicial. E a composição inicial depende da seção de choque de C(alpha,$ \gamma$)O, podendo variar de XO≈0,80 a XO≈0,50 para uma anã branca de 0,6 massas solares, se usarmos os limites alto e baixo desta secção de choque.
time
Efeito da separação de fase no esfriamento das anãs brancas frias: Gilles Chabrier, Pierre Brassard, Gilles Fontaine e Didier Saumon (2000, Astrophysical Journal, 534, 216) estimam um aumento de 14% do tempo de esfriamento para uma anã branca de 0,6 massas solares até atingir L=10-4,5LSol devido à sedimentação do oxigênio.
spindle
Efeito da separação de fase no esfriamento das anãs brancas frias.
Diagrama de Fase
Separação C/O Separação sólido/líquido
Em cima, diagrama de fase calculado por dinâmica molecular. À esquerda, separação de fases de C (vermelho) e O (preto). À direita, separação líquido (púrpura) e sólido (preto), com uma interface em vermelho, de acordo com os modelos de Andre S. Schneider, Joseph Hughto, Charles J. Horowitz & Don K. Berry, Direct molecular dynamics simulation of liquid-solid phase equilibria for two-component plasmas, 2012, Physical Review E, 85, 6405, e Joseph Hughto, Charles J. Horowitz, Andre S. Schneider, Zach Medin, Andrew Cumming & Don K. Berry, Direct molecular dynamics simulation of liquid-solid phase equilibria for a three-component plasma, 2012, Physical Review E, 86, 6413.
A perda de energia interna por unidade de massa, E, de cada camada da estrela pode ser escrita como:
$\frac{dE}{dt} = -\frac{dL_r}{dm} -\epsilon_\nu -P\frac{dV}{dt}$
onde Lr é a luminosidade local, εν a perda de energia por unidade de massa em neutrinos, V=1/ρ.

Se a anã branca é composta de dois elementos químicos, por exemplo C e O, de modo que $ X_C+X_O=1$, podemos reescrever esta equação como:

$-\left(\frac{dL_r}{dm}-\epsilon_\nu\right) =
C_V \frac{dT}{dt} +
T (\frac{\partial P}{\partial T})\frac{dV}{dt}
- l_s \frac{dM_s}{dt}\delta(m-M_s)
(\frac{\partial E}{\partial X_O)\frac{dX_O}{dt}$
onde ls é o calor latente, dM/dt a taxa com que o cristal cresce, e a função delta indica que o calor latente só é liberado na frente de solidificação (Jordi Isern et al. 1997, Astrophysical Journal, 485, 308).

Durante a cristalização, o calor latente de fusão $ T\Delta s \sim {3\over 4} {kT \over AH}$, correspondendo a ΔE≅2×1046ergs para uma anã branca de 0,6 MSol, é liberado, aumentando o tempo de esfriamento em 30%, acima do valor calculado pela teoria de Mestel. Para esta anã branca de 0,6 MSol, isto ocorre quando L=10-4,5LSol, e corresponde a Δt≅1,8 Ganos (Leandro Gabriel Althaus et al. 2010, Astronomy & Astrophysics Review). Ao cristalizar, o calor específico dos íons $ c_V^{ion}$ aumenta de $ {3 \over 2} {k\over AH}$ para $ 3 {k\over AH}$, de modo que o tempo de vida da anã branca aumenta por uma fator de dois, até que o núcleo atinja a temperatura de Debye [Peter Debye (1884-1966)].

A temperatura de Debye ($ \Theta_D$), é definida como

$ 2,240 {\Theta_{D} \over T} \equiv {\hbar w_p \over kT},$
$ {\rm ou}\qquad\Theta_D = 1,74 \times 10^3 \rho_c^{1/2}
\left({2Z \over A}\right)\approx 2\times 10^6 {\rm K},$
onde
w_p^2 = \frac{4\pi n_e e^2}{m_e}[1+(\frac{\hbar}{m_e c})^2
         (3\pi^2 n_e)^{2/3}]^{-\frac{1}{2}}$
é a frequência de plasma para um gás degenerado. Para temperaturas abaixo da temperatura de Debye, a excitação de fonons de alta energia torna-se impossível, o calor específico começa a cair, e o esfriamento rápido se inicia, levando a um decréscimo substancial do tempo de vida neste estágio. Francesca D'Antona e Italo Mazzitelli encontraram em 1989 que para um modelo de anã branca com núcleo rico em oxigênio de $ 0,56~M_\odot$, $ \Theta_D /T\sim 2$ quando $ \log L/L_\odot \approx -4$. Quando o modelo atinge $ \log L/L_\odot \approx -5$, o calor específico é proporcional a $ T^3$, como o esfriamento de Debye prediz. Tendo em vista que as anãs brancas de massa normal mais frias observadas têm $ \log L/L_\odot \approx -4,5$, elas ainda não são velhas o suficiente para atingir o limite de Debye. Leandro Gabriel Althaus, Alejandro H. Córsico, Jordi Isern & Enrique Garcia-Berro (2010, Astronomy & Astrophysics Review) estimam que o esfriamento de Debye só ocorre para uma anã branca de 0,6 MSol para L=10-7LSol, mas que para uma anã branca de 1,0 MSol já em L=10-5,1LSol.
NGC 6397
Don Earl Winget, Kepler de Souza Oliveira Filho, Fabíola Campos, Mike Houston Montgomery, Leo Girardi, Pierre Bergeron & Kurtis Williams publicaram em 2009 o artigo The Physics of Crystallization from Globular Cluster White Dwarf Stars in NGC 6397, no Astrophysical Journal Letters, 693, L6, mostrando que o acúmulo de anãs brancas em mF814W=26.5 demonstra a existência a cristalização e a transição de fase com liberação de calor latente predita por Hugh Van Horn (1968, Astrophysical Journal, 151, 227). A linha pontilhada mostra um modelo em que não há cristalização.

Modelos evolucionários de Matt Wood

Anã Branca com 1,0 MSol e núcleo de C/O, mas com Γ≈180
TefIdadelog Pc log Tc log $ \rho$c log Rlog L/LSol log Lneut/LSolMcrist/M* $ \Gamma$
101274 K245 000 anos24,5978,01267,4730 8,8369 0,9577 1,9617 0,000 12,6
45973 K4,12 Manos24,6377,80347,5020 8,7804 -0,5276 -0,3276 0,000 20,8
23686 K146 Manos24,6607,27947,5192 8,7603 -1,7197 -4,3327 0,000 70,4
14849 K538 Manos24,6656,94777,5234 8,7529 -2,5458 -6,2979 0,016 151,6
12255 K1,026 Ganos24,6676,80367,5246 8,7509 -2,8833 -7,1046 0,396 211,4
10130 K1,740 Ganos24,6686,65857,5255 8,7489 -3,2575 -10 0,748 295,5
6627 K3,908 Ganos24,6696,35257,5263 8,7458 -3,9616 -10 0,945 598,2
4733 K6,845 Ganos24,6705,87267,5265 8,7430 -4,5519 -10 0,970 1806,1
3369 K7,732 Ganos24,6705,48897,5266 8,7425 -5,1436 -10 1,000 4369,8

Anã Branca com 0,6 MSol, mas com Γ≈180
TefIdadelog Pc log Tc log $ \rho$c log Rlog L/LSol log Lneut/LSolMcrist/M* $ \Gamma$
103992 K18 316 anos22,8298,17426,2590 9,4167 2,1631 1,8449 0,000 3,4
46281 K2,65 Manos23,1917,82796,5050 9,0392 0,0016 0,4282 0,000 9,1
23856 K29,54 Manos23,2427,57926,5410 8,9817 -1,2646 -1,5832 0,000 16,7
12114 K368,44 Manos23,2647,05686,5569 8,9557 -2,4936 -6,3225 0,000 56,1
10012 K 604,97 Manos 23,267 6,9198 6,5587 8,9513 -2,8335 -100 77,1
6647 K1,767 Ganos23,2706,62446,5611 8,9426 -3,5622 -10 0,022 152,5
4554 K6,540 Ganos23,2736,14526,5629 8,9340 -4,2366 -10 0,933 460,1
4044 K7,799 Ganos23,2735,98236,5631 8,9332 -4,4448 -10 1,000 669,8
3304 K9,373 Ganos23,2735,76276,5632 8,9324 -4,7976 -10 1,000 1110,6
Modelos atuais usam Γ=175 e incluem a separação de fase e destilação també do Ne22, necessária para explicar o ramo Q observado no diagrama HR das estrelas com paralaxe medida pelo satélite Gaia.
Tucson
Foto de grupo de pesquisadores em anãs brancas: Stéphane Vennes, Steve Kawaler, Didier Saumon, Gilles Fontaine, Hugh M. Van Horn, Francois Wesemael (1956-2011), Don Earl Winget, Butler Hine, Pierre Bergeron, Robert Lamontagne, Chuck Claver, Allen Hill, Matt A. Wood, Theo Koupelis, Pierre Brassard, Austin Tomaney, Kepler, Pierre Chayer e Jean Dupuis, tirada em 1986 em Tucson, Arizona, durante a Second Faint Blue Stars Conference, em homenagens ao sessenta anos de Jesse Leonard Greenstein (1909-2002).


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Modificada em 5 abr 2024