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O Problema do Neutrino Solar

Desde os anos 1960, alguns experimentos levantaram dúvidas sobre os cálculos de interiores estelares. A idéia principal atrás destes experimentos é que algumas reações na cadeia de fusão produzem partículas chamadas neutrinos, como vimos em Fusão Nuclear, por exemplo no ciclo próton-próton.
4H\rightarrow ^4He+2e^+ +2\nu_e+\gamma$
Neutrinos ($ \nu_e$) têm massa zero na teoria eletrofraca, não têm carga elétrica e interagem muito fracamente com a matéria - um neutrino pode atravessar anos-luz de chumbo sólido sem interagir com um só átomo! Sua secção de choque é da ordem de \Sigma = 10^{-44} cm^2, de modo que seu livre caminho médio no interior do Sol ($ \lambda = 1/n\Sigma$, onde n é a densidade média de matéria no interior do Sol) é equivalente a 109 raios solares.
Pauli Wolfgang Pauli
Os neutrinos foram previstos teoricamente por Wolfgang Pauli (1900-1958) em 1930, para explicar a variação da energia dos elétrons emitidos em decaimentos \beta, em que um nêutron se transforma espontâneamente em um próton, emitindo um elétron. A vida média de um nêutron livre é de aproximadamente 12 minutos. Pauli propôs que a diferença de energia estava sendo carregada por uma partícula neutra de difícil detecção, o neutrino. Ele recebeu o prêmio Nobel em 1945.
Reinese Cowan Frederick Reines e Clyde Cowan
Em 1956 os neutrinos foram finalmente detectados por Frederick Reines (1918-1998) e Clyde L. Cowan Jr (1919-1974), emitidos de um reator nuclear ["The Neutrino", Frederick Reines & Clyde L. Cowan, Jr., Nature 178, 446 (1956); "Detection of the Free Neutrino: A Confirmation", Clyde L. Cowan, Frederick Reines, Francis B. Harrison, Herald W. Kruse, & Austin D. McGuire, Science, 124, 103 (1956)]. Reines recebeu o prêmio Nobel em 1995 pela descoberta. Neutrinos produzidos no núcleo do Sol saem ao espaço com muito pouca interação, atravessam a distância entre o Sol e a Terra, e na maioria dos casos passam pela Terra sem qualquer perturbação. Milhões destes neutrinos passam por nosso corpo a todo segundo, mas durante nossa vida inteira somente alguns destes interagirão com nossos átomos. O mais importante é que os neutrinos carregam informação sobre o interior do Sol, onde a energia está sendo gerada.
davis.epsf Raymond Davis e seu experimento
Em 1968, Raymond Davis Jr. (1914-2006) e seus colaboradores, do Brookhaven National Laboratories, decidiram detectar estes neutrinos colocando um tanque com 600 toneladas (378 000 litros) de fluído de limpeza percloroetileno (C2Cl4), do tamanho de um vagão de trem, no fundo de uma mina de ouro a 1500m de profundidade na cidade de Lead, na Dakota do Sul. Como aproximadamente um quarto dos átomos de cloro está no isótopo 37, ele calculou que dos 100 bilhões de neutrinos solares que atravessam a Terra por segundo, alguns ocasionalmente interagiriam com um átomo de cloro, transformando-o em um átomo de argônio. Como o argônio37 produzido é radiativo, com vida média de 35 dias, é possível isolar e detectar estes poucos átomos de argônio dos mais de 1030 átomos de cloro no tanque. Periodicamente o número de átomos de argônio no tanque seria medido, determinando o fluxo de neutrinos.
\nu_e + Cl^{37} \rightarrow e^- + Ar^{37}
Quando o experimento começou a funcionar, quase nenhum neutrino foi detectado. De acordo com a melhor estimativa teórica, deveriam ser detectados alguns eventos por dia, demonstrando que nossa compreensão do Sol, ou dos neutrinos, não era tão completa quanto se acreditava. A diferença entre o experimento e a teoria passou a ser conhecida como o problema do neutrino solar. Davis recebeu o prêmio Nobel em 2002, pela sua descoberta.

Cl Ar A dificuldade maior do experimento de Davis é que ele só consegue detectar neutrinos com energia maior que 0,81 MeV e, portanto, não consegue detectar o neutrino produzido na cadeia principal do ciclo p-p, dominante no Sol, pois este neutrino só tem 0,42 MeV de energia e tem um fluxo de 6,4 × 1010 neutrinos/cm2/s aqui na Terra. Muitos cientistas trabalharam em melhorar as aproximações nos cálculos do fluxo de neutrinos que deveriam ser detectadas pelo experimento de Davis, como uma melhor taxa de reação nuclear, bem como testar rigorosamente o experimento. Hoje em dia outros experimentos de detecção de neutrino estão ou estiveram em operação ao redor do mundo, Kamiokande I e II, e IMB (Irvine-Michigan-Brookhaven), que só detecta neutrinos com energia maior que 7,3 MeVs, através da radiação Cerenkov emitida por elétrons acelerados a velocidades superiores à da luz na água, de 225 000 km/s.

neutrinos Imagem cobrindo 90°x90° somando-se 500 dias de observação do SuperKamiokande, o detector com 50 000 toneladas de água a 1000 m de profundidade no Japão que entrou em operação em abril de 1996, sob a orientação de Masatoshi Koshiba (1929-). Esta imagem mostra os elétrons secundários induzidos pelos neutrinos com energia entre 7 e 25 MeV. O espalhamento secundário desfocaliza a imagem.
Os experimentos SAGE (Soviet-American Gallium Experiment) e GNO e GALLEX,

\nu_e + Ga^{31} \rightarrow e^- + Ge^{32}

detectam neutrinos com energia acima de 0,236 MeV e, portanto, podem detectar os neutrinos de baixa energia produzidos pela cadeia principal do ciclo p-p, a chamada PPI. Mas o veredicto ainda é o mesmo; estamos detectando um terço dos neutrinos que deveríamos estar detectando.

A melhor explicação para o fenômeno envolve as propriedades dos próprios neutrinos, e não as propriedades do Sol. Entre o tempo que os neutrinos são gerados e o tempo que eles chegam à Terra, parte dos neutrinos sofre reações que muda sua identidade, passando de neutrino de eléctron para neutrino de múon ou neutrino de táon, tornando-os inacessíveis aos experimentos, que só medem neutrinos de elétrons. Este processo de mudança chama-se oscilação de neutrinos e foi detectada em 1998 em um experimento no SuperKamiokande. Para que estas mudanças de identidade ocorram, cada tipo de neutrino precisa ter uma massa diferente de zero e diferentes entre si, e isto é predito em algumas teorias de Grande Unificação das forças (GUT). Esta massa pode ser detectada em laboratório, e existem diversos experimentos em elaboração para medí-la, mas até agora só se conseguiu medir limites superiores [m(νe)c2 < 2,2 eV para o neutrino do elétron, 170 keV para o neutrino do muon e 15,5 MeV para o neutrino do taon), da ordem de centenas de vezes menor que a massa do eléctron.

Sudbury No Sudbury Neutrino Observatory, em Ontário, Canadá, com 1000 toneladas de água pesada e 9456 fotomultiplicadoras, a 2070 metros de profundidade, operando desde novembro de 1999, foi medido um fluxo de neutrinos provenientes da reação envolvendo o Berílio8 de 5,44±0,99 ×106 cm-2s-1, com evidência de oscilação de neutrinos e que indica que a soma das massas dos 3 tipos de neutrinos está entre 0,05 a 8,4 eV. Estas massas levam à contribuição dos neutrinos na massa do Universo entre 0,001 e 0,18 da densidade crítica. Quando o neutrino do elétron colide com o deutério da água pesada, ocorre a reação (mediada pela corrente com carga)
D+νe $\rightarrow$ p+p+e-+radiação Cerenkov
Se não houvesse oscilação, deveriam ser observados 30 neutrinos por dia, mas somente 10 são observados.

Øystein Elgarøy et al., no artigo New Upper Limit on the Total Neutrino Mass from the 2 Degree Field Galaxy R edshift Survey, publicado no Physical Review Letters, 89, 61301 de 19 July 2002, obtém indiretamente pelo efeito na órbita das galáxias, 2,2 eV para o limite superior da massa combinada dos tres tipos de neutrinos e uma contribuição máxima de 13% para a massa do Universo.

Portanto o problema do neutrino solar nos revelou mais sobre a física fundamental do que sobre a astrofísica estelar.

O detector de neutrinos KamLAND (Kamioka Liquid-scintillator Anti-Neutrino Detector), consiste de uma kilotonelada de líquido de cintilação ultra-puro mantido em um balão atmosférico e circundado por 1 879 fotomultiplicadoras, que detectam as minísculas faíscas de luz produzidas quanto um neutrino interage com o líquido. Os neutrinos detectados têm energia superior a 2,6 MeV, e são produzidos principalmente pelos 69 reatores nucleares do Japão e Coréia. Os reatores produzem neutrinos por decaimento β, cerca de 6 antineutrinos de elétrons por cada fissão nuclear, resultando num fluxo de 9,3 × 1020 neutrinos/cm2/s, para um gerador de 5 GWth.

Ko Abe e colaboradores publicaram em 2011, no Physical Review D, 83, 052010, os resultados dos dados de 2002 a 2010, com um total de 8132 neutrinos detectados. Os pesquisadores concluíram, com um nível de confiança de 99,99%, que a não detecção dos neutrinos faltantes somente é consistente com a oscilaçao de neutrinos, isto é, na transformação dos neutrinos, após produzidos e antes de serem detectados, de neutrinos de elétrons para neutrinos de múons ou de táons, com com ângulo de mistura sen2θ1,2=0,31±0,01, enquanto sen2θ1,3=0,092±0,005 (2012). Nesta nomenclatura, 1=νe, 2=νμ e 3=ντ. Ko Abe e colaboradores publicaram em 2016, arXiv:1606.07538, Solar Neutrino Measurements in Super-Kamiokande-IV, os resultados de 2008 a 2014: fluxo de neutrinos solares = 2,308 ± 0,020 [(estat.)±0,039(sist.)] × 106/(cm2 s), com ângulo de mistura sen2θ1,2=0,324±0,025, levando a uma diferença de massa Δm2,1=6,9±1,2 meV.

Maria Concepion Gonzalez-Garcia, Michele Maltoni e Jordi Salvado, no artigo de revisão de 2011 Updated global fit to three neutrino mixing: status of the hints of θ1,3>0, discutem que ainda não há provas suficientes de que o neutrinos dos elétrons e táons se misturam diretamente.

Construir detectores maiores do que o SuperKamiokande não é prático, mas grandes quantidades de água podem ser monitoradas usando lagos ou a calota polar Antártica, como os detectores NT-220, Antares, Nestor e IceCube. Antares monitora 1 milhão de litros de água com 900 fotomulticadoras a 4000 metros de profundidade no Peloponésio, e o IceCube usa 5160 fotomultiplicadoras em 80 cordas monitorando 1000 milhões de metros cúbicos (1 km3) de gelo na Antártica. O IceCube ficou pronto em Dez/2010 e foi construído para detectar neutrinos mais energéticos que 100 GeV, mas devido ao baixo ruído é capaz de detectar até MeV. Em março de 2013, Brian Feldstein e colaboradores publicaram no arXiv:1303.7320 os primeiros resultados da procura de neutrinos por decaimento de matéria escura, mas não encontraram. A. Kappes e colaboradores reportam no Journal of Physics: Conference Series, Volume 409, Issue 1, pp. 012014 (2013) o status das observações, enquanto Ronald Bruijn discute no 2013arXiv1302.2040 o potencial como detector de supernovas. Os dados de 2010 a 2011, publicados pela colaboração em 2013 (arXiv:1305.3909), indicam desaparecimento de neutrinos de muons, com Δm223= (2,3±0,6)×10-3 eV2 e sen2(2 θ23)>0,93. O IceCube já detectou algumas dúzias de neutrinos acima de 200 TeV, o campeão com 4450 TeV, em 1 de maio de 2015.

Yusuke Koshio e seus colaboradores do experimento Borexino, que detecta a radiação Cerenkov em um cintilador líquido, que ocorre no Laboratori Nazionali del Gran Sasso, Itália, divulgaram em 2011 os resultados do experimento que está operando desde 2007, que consegue detectar os neutrinos solares de mais baixa energia, até cerca de 250 keV e, portanto, capaz de detectar o neutrino do 7Be, do 8B, do pep e CNO. A detecção é de [45±1.5 (estatístico)±1.3 (sistemático)] contagens/dia/(100 toneladas). O esperado seria 74±4 contagens/dia/(100 toneladas) se não houvesse oscilação de neutrinos, e 44±4 contagens/dia/(100 toneladas) com oscilação de neutrinos. Alvaro E. Chavarría e colaboração Borexino, publicaram em 2012 os resultados de suas medidas, concordando com as medidas do Kamiokande, Superkamiokande e SNO, que medem diretamente a contribuição do pp e CNO do Sol, e todos os resultados têm uma média de 2.2 × 106 neutrinos cm-2 s-1. Nos proceedings da 33rd International Cosmic Ray Conference, Rio De Janeiro 2013 (ICRC2013), Hiroyuki Sekiya a Super-Kamiokande Collaboration publicaram os resulatados dos dados desde 2008 para o fluxo de neutrinos solares entre 3,5 e 19,5 MeV: [2.36 ±0.02 (estat.) ± 0.04 (sist.)]× 106/(cm2 sec).

oscilacaoUm dos milhares de modos de oscilação solar, usados para estudar a estrutura interna do sol.


A teoria eletrofraca padrão, desenvolvida independentemente por Sheldon Lee Glashow (1932-), Steven Weinberg (1933-2021) & Abdus Salam (1926-1996), preve que os neutrinos não têm massa. Teorias de grande unificação (GUT) baseadas em grandes grupos, acima de SU5, geralmente prevêm neutrinos com massa. Partículas Majorama (Ettore Majorana (1906-1938?), 1937, Nuovo Cimento, 14, 171) são indistingüíveis de suas antipartículas, enquanto partículas de Dirac [Paul Adrien Maurice Dirac (1902-1984)] são diferentes de suas antipartículas. Os neutrinos de Dirac podem ter momentum magnético, mas os Majorama não (Felix Boehm & Petr Vogel. 1992, Physics of Massive Neutrinos, Cambridge Press, 2nd ed.). Em 1966, o físico russo Yakov Borisovich Zel'dovich (1914-1987), em colaboração com o também russo Semjon Solomonowitsch Gershtein (1929-), colocaram limites superiores para as massas dos neutrinos, através de considerações cosmológicas (Rest Mass of Muonic Neutrino and Cosmology, Journal of Experimental and Theoretical Physics Letters, 4, 120).

Leslie Camilleri, Eligio Lisi e John F. Wilkerson (2008) Neutrino Masses and Mixings: Status and Prospects, Annual Review of Nuclear and Particle Science, 58: 343

Theo M. Nieuwenhuizen e Andrea Morandi (2011) demonstram que se a massa escura do cúmulo de galáxias Abell 1689, com cerca de 1015 massas solares e z=0,183, é modelado como um gás degenerado isotérmico de férmions, as lentes gravitacionais fortes (a com maior raio de Einstein observada até hoje) e fracas podem ser explicadas por neutrinos degenerados de massa 1,5 eV/c2. Com esta massa as três espécies de neutrinos corresponderiam a cerca de 10% da massa escura.

N. Oka e colaboradores do XMASS publicaram Search for solar Kaluza-Klein axion by annual modulation with the XMASS-I detector, Progress of Theoretical and Experimental Physics, 2017, 103C01, arXiv:1707.08995, e em 2018, Ko Abe et al. (XMASS Collaboration), Search for dark matter in the form of hidden photons and axion-like particles in the XMASS detector, arXiv:1807.08516. Em teorias com dimensões acima das 4 do espaço-tempo, áxions podem se propagar nestas dimensões extras e adquirir excitações Kaluza-Klein (KK). Estes áxions KK são produzidos no Sol e poderiam explicar o aquecimento da coroa solar. Este detector com xenonio pode estudá-los, como outros para detectar os weakly interacting massive particles (WIMPS).

Andrea Pocar, no artigo Solar Neutrino Experiments, para o XXXVIII International Symposium on Physics in Collision, Bogotá, Colombia, 2018, atualiza os resultados dos últimos dez anos dos experimentos Borexino, no Laboratori Nazionali del Gran Sasso, na Itália, e SuperK na mina Kamioka no Japão, que permitiram estudar toda a faixa de energias tanto do ciclo p-p quanto do CNO.


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Modificada em 7 dez 2018